Derrota convencional ou resposta nuclear?
Desde a sua fundação a NATO confiou em armas nucleares como dissuasão face ao avassalador poderio convencional soviético. A primeira resposta nuclear foi assegurada por 32 bombardeiros B-29 Superfortress do SAC (Strategic Air Command) em bases na Inglaterra no verão de 1949. Desde então, várias doutrinas de uso foram implementadas, descartadas, repensadas ou substituídas, desde “retaliação maciça” a “resposta flexível”, potenciadas por alterações políticas e/ou desenvolvimentos tecnológicos. O conflito na Ucrânia voltou a despertar medos, e muitos dos mesmos dilemas quanto ao emprego de armas nucleares, por isso, poderá ser útil relembrar, de forma breve e telegráfica, alguns dos problemas e desafios envolvidos em vencer uma guerra onde o inimigo, segundo algumas opiniões, é a própria guerra...

A superioridade material do Pacto de Varsóvia em termos de tanques, artilharia e infantaria mecanizada era inalcançável para as forças convencionais da NATO. Não era por acaso que os russos mantinham a confiança de alcançar o rio Reno em 7 dias.
Se recuarmos aos finais dos anos 60 e princípios dos anos 70, as opções nucleares na Europa abrangiam 3 categorias essenciais;
- Curto-alcance (até 200km); projécteis de artilharia de tubo, alguns tipos de foguetes e mísseis (como o Lance americano ou FROG russo) e aviação táctica (principalmente pelo lado da NATO).
- Médio-alcance (até 1000km); mísseis como o poderoso SS-12 Scaleboard russo ou a aviação de interdição da NATO armada com bombas de gravidade em missões “só de ida”.
- Longo-alcance (mais de 1000km - por vezes referidas como armas “Euroestratégicas”); envolviam mísseis balísticos lançados de submarinos no Mar do Norte ou Mediterrâneo até IRBMs como os SS-4 Sandal e SS-5 Skean.
Uma das primeiras questões a considerar é a custódia das armas. No Pacto de Varsóvia as armas nucleares, armazenadas em território Russo, Polaco ou na Alemanha Oriental, eram controladas pela União Soviética. Ponto. Na NATO as coisas eram (e continuam a ser) um pouco mais… complicadas. Um dos esquemas era conhecido como controlo de “chave dupla” (dual key). Neste conceito, a propriedade das ogivas permanece sob autoridade americana mas o mecanismo de disparo, seja uma peça de artilharia, míssil ou aeronave, recai sob a nação anfitriã. Acordos bilaterais deste tipo existiram com o Reino Unido, Alemanha Ocidental, Itália e outros. Outro problema mais agudo envolvia o “timing” do uso dessas armas. Se a União Soviética decidisse “aquecer” a guerra fria e soltasse, em massa, as suas forças blindadas e mecanizas nas planícies da Alemanha, a NATO iria se defender, numa primeira fase, também com meios convencionais. Daí a presença de substanciais formações blindadas na Alemanha (desde o BAOR inglês até ao 3º Corpo de Exército Americano). Mas se essa resposta convencional falhasse ou não fosse suficiente, armas nucleares tácticas seriam usadas para neutralizar as vanguardas Soviéticas ou atrasá-las o suficiente até que os reforços americanos pudessem ser deslocados para o teatro.

A estratégia convencional da NATO assentava na defesa e contenção das linhas durante o maior período de tempo possível enquanto aguardavam por reforços americanos. O primeiro embate russo poderia (talvez) ser contido mas as grandes reservas da segunda linha dificilmente seriam detidas. A questão não era “se” a NATO iria recorrer a armas nucleares mas quanto tempo demorariam a fazê-lo.
No exercício Wintex em 1983, que replicava um ataque russo deste género, a NATO foi forçada a usar armas nucleares logo no sexto dia. Mas a natureza crítica dessa escalada – a NATO seria a primeira a recorrer ao nuclear – exige uma estrutura de comando e controlo com processos e procedimentos consultivos com as várias nações. Além disso, as características de curto alcance destas armas tácticas exigem a sua localização avançada, relativamente perto das linhas da frente, o que adiciona mais problemas a esta já muito complexa equação. Teoricamente, todas as nações da NATO deveriam ser consultadas quanto ao uso de armas nucleares, pelos menos, quanto ao decisivo “first strike” mas, na prática, as coisas, inevitavelmente, poderiam decorrer de forma diferente. Vamos pensar num exemplo. Uma divisão blindada americana, 20km a Norte de Frankfurt, está prestes a ser flanqueada por várias formações russas e pede, urgentemente, um ataque de artilharia nuclear para deter os tanques inimigos. Esse pedido terá de seguir toda a cadeia de comando; primeiro para o Corpo de Exército correspondente e depois para o…
CENTAG (Central Army Group),
AFCENT (Allied Forces Central Europe),
SHAPE (Supreme Headquarters Allied Powers Europe) e
SACEUR (Supreme Allied Commander Europe).
Daqui o pedido seria direccionado para Comando Nacional Americano e para o Presidente, que teria de decidir, junto com os Chefes do Estado Maior e depois de (tentar) consultar o Chanceler Alemão - afinal a explosão nuclear seria no seu “quintal”. Toda esta operação poderia levar 24 horas, sem contar com a confusão, caos e dificuldades de comunicação próprias em tempo de guerra. Enquanto isso, os soldados da divisão americana esperavam sentados… provavelmente num campo de prisioneiros de guerra soviético.
Este seria um dos cenários da NATO para o uso defensivo de armas nucleares. O próximo passo seria usar armas de médio alcance para atacar as reservas, bases aéreas e centros de comando russos – seja em resposta a ataques inimigos ou pela pressão militar esmagadora. Isto coloca a NATO na ofensiva. Mas a questão agora seria; qual seria a resposta soviética?...
Nesta foto vemos dois oficiais, um americano e outro inglês, a armar a ogiva (de treino, claro) de um míssil táctico Lance. O conceito de “dual key”, com efeito, um sistema electrónico e mecânico de segurança, prevenia o uso não autorizado por indivíduos “dementes ou aberrantes”, citando a documentação oficial. Este sistema também garantia a coordenação e cooperação política e militar entre as duas nações. Será que funcionaria na prática?
Talvez as primeiras armas nucleares a ser usadas pela NATO; projécteis como os M422 de 203mm para peças de artilharia M110. Com um alcance entre os 15-20km, rendimento de 10-20kt, altamente manobráveis no campo de batalha e de resposta rápida, armas como estas seriam o “gatilho” psicológico para as tropas na linha da frente caso a pressão das forças russas fosse demasiado forte para suportar. Mas a decisão para o seu uso não seria determinado por essas tropas mas sim por uma série de escalões de comando superiores.
Texto e seleção de imagens: Icterio
Edição: Pássaro de Ferro
